A velhice chega, a memória falha, mas nem tanto

Dia desses, chegando para buscar um carro alugado no aeroporto, me deparei com uma cena que me fez projetar a velhice, com suas inconveniências. Era um desses terminais novos, construídos para os grandes eventos esportivos que ocorreram no Brasil, que mais parecem shoppings.

Estava acertando detalhes da documentação exigida para o aluguel do veículo, quando um senhor idoso se aproximou. Olhava atentamente os longos períodos de silêncio entre mim e a atendente, que mantinha os olhos grudados na tela de um computador, preenchendo as exigências burocráticas.

De repente, ela tirou os olhos da tela e perguntou:

– Senhor, o que faz aqui? Posso ajudá-lo?

Ele, de forma simpática, respondeu:

– Estou namorando – disse, sorrindo.

Ela riu e ele continuou a conversa, sendo todo galanteador.

Foi então que percebemos que ele não tinha a menor noção do que fazia, nem de onde estava, nem como foi parar ali. Em sua cabeça, misturavam-se informações do antigo aeroporto, que se localizava em um bairro próximo e não lembrava em nada a moderna arquitetura do atual terminal.

Realmente, ele, com seus 83 anos, estava perdido. Havia andado no sol quente por cerca de três quilômetros, estava exausto, mas sem desejo algum de voltar para casa. Claramente, um caso de falha de memória, causada ou por alguma doença, como Alzheimer, ou mesmo pela idade.

Restava-nos ajudá-lo a encontrar sua família, tarefa que nos rendeu boas horas de preocupação e, ao mesmo tempo, aprendizado.

Tentando esconder o medo de que tivéssemos percebido sua condição, o velhinho se desmanchava em elogios. Quando pedimos para ver seus documentos, ele já disse em tom jocoso:

– Já vi que vou ser preso hoje, de novo.

Ao mesmo tempo que ele desconfiava de nós, também não desgrudava. Era como se fôssemos suas âncoras.

Achamos a administração do terminal e contamos toda a história. Atenciosos, começaram a puxar pela memória dele alguma combinação de números que pudesse ser do telefone de um parente. Por algum tempo, ele apresentou várias sequências, mas nenhuma que completasse uma ligação.

De repente, um lampejo de lucidez se fez presente. Ele fixou o olhar na placa de inauguração do aeroporto e apontou para os nomes, repetindo adjetivos que aprendeu no senso comum. Apontou o lugar do presidente da República:

– Este aqui? Ladrão.

Em seguida, o nome do governador do estado:

– Este? Ladrãozinho.

Então foi a vez do prefeito:

– Este aqui? Aprendiz de ladrão.

As constatações arrancaram risos dos funcionários. Um deles comentou, brincando:

– Parece que ele não está tão esquecido assim, não.

Sinal de que nossos políticos precisam melhorar suas imagens perante a população.

Fonte: VAREJO SA