Os dados sobre o comportamento do cliente devem ir além das mensagens persuasivas
Com o aumento da conectividade e mobilidade, o comportamento do cliente se transforma constantemente. Com a abundância de mensagens apelativas e novos produtos, temos cada vez menos tempo para investigar marcas e novos produtos. Nesse universo acelerado, as marcas precisam se destacar nas multidões e entender que volume de ofertas e argumentos de vendas não significam, necessariamente, alcançar clientes.
O maior nome do marketing mundial, Philip Kotler, lembra em seu livro, Marketing 4.0, que o objetivo do marketing é encantar os consumidores para que se transformem em advogados da marca. E para isso, os dados são fontes relevantes neste novo momento. Sendo assim, data analytics e Inteligência Artificial (IA) são ferramentas importantes para mapear o caminho do consumidor até a compra. “Sem sombra de dúvidas, os dados têm aberto um completo novo leque de perspectivas sobre diversas questões e podem revelar muitas coisas e aspectos sobre a nossa sociedade, prometendo um novo campo de descobertas”, enfatiza Cintia Coelho, especialista em Comunicação e Marketing, pesquisadora e autora do livro “Tendências e Contornos da Sociedade de Consumo”.
Mas como chegar a resultados relevantes? Conforme a especialista em Comunicação e Marketing, é importante que as empresas tenham planejamento visando múltiplos cenários e flexibilidade para realizar adaptações. Cintia Coelho não acredita em uma fórmula mágica para o sucesso, e prioriza a atenção ao cliente e a criação de uma área de service design. Esta ajuda a gerenciar serviços já existentes e criar novos, objetivando melhorar a experiência para o usuário.
Ouça o cliente
Segundo o Relatório do Estado do Engajamento do Cliente, da empresa americana de comunicação programável Twilio, 94% dos consumidores estão cansados das comunicações que recebem de empresas. Do ponto de vista dos clientes, há a percepção de excesso. 41% deles afirmam receber mensagens que não solicitaram. Posto isso, prestar atenção à voz do cliente é tão importante quanto atentar-se às mudanças mercadológicas.
A análise de dados tem relevância nessa questão. “É preciso fazer tanto o bom uso do acesso direto ao cliente quanto à utilização estratégica da leitura de dados a fim de identificar aquilo que ele (o cliente) provavelmente não diria a você (empresa) em uma pesquisa quali-quantitativa tradicional, por exemplo”, explica Cintia Coelho.
Data analytics e IA são, sem dúvidas, importantes ferramentas para o entendimento de hábitos de consumo para que o cliente retorne a comprar. Para Philip Kotler, na época de alta conectividade em que vivemos, o caminho do consumidor é um funil de cinco etapas, que ele chama de 5As: assimilação, atração, arguição, ação e apologia.
As etapas são moldáveis para cada tipo de produto ou serviço e público. A geração é um fator importante na interpretação e planejamento dessa jornada. Os jovens, por exemplo, possuem resposta a atração mais rápida. Já em relação ao tipo de produto ou serviço, o valor e duração interferem na arguição, sendo que fóruns na web são criados pelos próprios consumidores (que estão na fase de apologia) para compartilhar informações, são chamados de netizens. Você mesmo já deve ter visto os comentários de um e-commerce ou marketing place antes de realizar uma compra.
Comportamento do cliente e o nudging
Você deve estar se perguntando: quais são as informações relevantes para compreender para entender os desejos do consumidor? De acordo com a especialista em Comunicação e Marketing, a resposta depende de análise de cada caso e contexto. Mas o detalhe importante é fixar que a obtenção dos dados para a simples e pura estratégia de persuasão está cada vez mais defasada.
“A área de nudging (ou seja, técnicas de persuasão que poderiam inferir e/ou influenciar na escolha do cliente) vem passando por uma averiguação, e uma nova análise publicada no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) mostra que os resultados não resistem a tal exame exaustivo. Ou seja, as técnicas de persuasão não têm o peso que se acredita ter”, explica Cintia Coelho.
Uma campanha publicitária, por exemplo, é criada de maneira estratégica para que o receptor tome uma ação. “Mas o que não podemos depreender ou afirmar é que essa intenção equivalha à concretização da intencionalidade, ou seja, que o marketing, ao se utilizar desta ferramenta (propaganda), obterá sempre o fim desejado”, esclarece.
O ponto é que, mesmo com inúmeras técnicas despontando, como o neuromarketing, a marca como emissora de uma mensagem não tem controle de como o receptor (consumidor) vai se apropriar dela. O campo do nudging está em amplo desenvolvimento, e a pesquisadora destaca que essa é uma questão do momento, já que estudiosos da inteligência artificial já indicam tecnologias futuras que consigam interferir efetivamente no pensamento.
Marketing com resultado
Cartilhas de como fazer ou ter o resultado perfeito em dez dias são mensagens persuasivas impossíveis de serem aplicadas de forma genérica. Para Cintia Coelho, é extremamente temerário falar em estratégias padronizadas quanto ao uso da IA e data analytics para entender melhor o comportamento do cliente.
Vivemos um momento de quebra de certezas, uma circunstância propícia para novas investigações, pois agora temos essa nova fonte: os dados. “Creio que o uso de data analytics pode ajudar as empresas a ter uma nova visão sobre os seus clientes – clientes que talvez passaram a conhecer melhor, no passado, a partir de pesquisas quali-quanti, mas que agora, com este novo recurso, podem ter uma total nova percepção sobre os seus clientes”, explica.
Para a pesquisadora, é interessante que as empresas analisem seus próprios dados de forma retroativa. Ou seja, olhar o resultado das pesquisas antigas quali e quantitativas e contrapor com os resultados evidenciados pelos dados.
Comportamento do cliente vs privacidade de dados
Como vimos, a análise de dados é importantíssima para desvendar o comportamento do cliente no contexto de conectividade. Mas existe o lado do consumidor, que está cansado de receber mensagens não solicitadas de empresas. Isso pode significar ferir o direito à privacidade, protegido pela Constituição brasileira e Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
De acordo com a advogada e consultora em Privacidade e Proteção de Dados, Laís Rodrigues, é importante que as empresas criem produtos ou serviços já pensando na LGPD, respeitando os princípios, como transparência e necessidade dos dados. “Além disso, é necessário justificar as finalidades de uso de dados com uma das hipóteses que a Lei traz como possíveis para o tratamento de dados, as chamadas bases legais”, destaca a advogada, especialista em Direito Digital e Compliance. Inclusive, o usuário pode solicitar a empresa confirmação do tratamento, o acesso aos dados, correção de dados, anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, portabilidade, revogação de consentimento.
Da mesma forma que o comportamento do cliente se transforma, as empresas precisam criar políticas em proteção de dados. Para Laís Rodrigues, os programas de governança devem incluir, mas não se limitar, política de gestão de crise e gestão de risco, como código de conduta específico, política de uso de dispositivos, política de privacidade.
Caso ocorra algum desrespeito pela empresa ao direito de proteção de dados disposto na LGPD, a organização pode ser processada pelo consumidor. “A empresa fica sujeita às sanções administrativas aplicáveis pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, como advertência, bloqueio dos dados, suspensão do banco de dados, suspensão do exercício das atividades de tratamento e multa simples ou diária e outras previstas no artigo 52 da Lei”, comenta a consultora.
Fonte: Varejo SA