A derrocada econômica gerada pela pandemia do coronavírus tem tido impacto mais rápido e agudo sobre as projeções para a atividade no Brasil do que o visto na crise financeira global de uma década atrás, movimento que ocorre em meio a uma virada da política fiscal e ao aumento da instabilidade política, combinação perigosa que pode comprometer uma futura recuperação da economia.
Desde que os mercados internacionais entraram em tendência de baixa, em meados de março –-com claro impacto sobre a percepção acerca da economia e dos ativos brasileiros–, analistas levaram apenas três semanas para passar a prever uma contração do PIB neste ano, segundo dados do relatório Focus do Banco Central.
A mediana das projeções levou um mês para ser reduzida em pelo menos 4 pontos percentuais –saindo de crescimento de 1,88% em 12 de março (início da tendência de queda nos mercados) para contração de 2,2% em 13 de abril.
Uma década atrás, quando o mundo mergulhou na até então maior crise financeira desde a Grande Depressão, tamanha deterioração nas expectativas demorou mais de oito meses para aparecer nos números da Focus.
Outras métricas dão ideia da profundidade do golpe à economia nesta crise. A atividade do setor de serviços do Brasil despencou em março, sofrendo o maior tombo desde o início da pesquisa 13 anos atrás. E a prévia da FGV para o índice de confiança da indústria indica queda para o menor valor da série histórica no mês de abril.
O pesquisador da Área de Economia Aplicada do Instituto Brasileira de Economia da FGV (Ibre-FGV), Marcel Balassiano, destacou a natureza particular da atual crise. “Todas são crises mundiais, mas essa não é uma crise econômica, é uma crise de saúde que tem impactos na economia. Então isso difere em tudo”, afirmou.
Países em todo o mundo têm mantido políticas de isolamento social e paralisação de indústrias, o que fez minguar o consumo e a atividade como um todo, com severos impactos nas cadeias de suprimento.
Para Balassiano, a expressiva deterioração das projeções econômicas decorre das incertezas em torno de quando haverá o afrouxamento e o posterior restabelecimento completo da circulação de pessoas, com a retomada das cadeias produtivas não somente no Brasil, mas no mundo.
A estimativa da Focus para o PIB, que atualmente aponta contração de praticamente 3% este ano, ainda é otimista perto da calculada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Dez dias atrás, o organismo divulgou que a economia brasileira deverá retrair 5,3% neste ano. Confirmado esse número, será o pior resultado anual de toda a série histórica disponibilizada pelo Banco Central e que compila dados do IBGE, a partir de 1962.
O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o país ainda não sentiu “coice externo” do coronavírus.
Em 2009, a economia retraiu 0,1%, depois de crescer 5,1% no ano anterior, quando houve o estouro da crise financeira.
Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, afirmou que os impactos adversos à economia neste ano não têm paralelo na história econômica local, o que explica a velocidade na qual as instituições passaram a rever suas projeções.
“Você não consegue classificar isso em nenhum tipo de crise. É uma coisa na qual você teria uma paralisação comparável a uma guerra, mas não há destruição do capital físico”, afirma.
RISCO FISCAL E RECUPERAÇÃO MAIS LENTA
Para além da discussão sobre os impactos econômicos imediatos da crise, o foco de preocupação se volta cada vez mais para o futuro da política fiscal e da agenda de reformas. Uma maior desconfiança nessas frentes pode atrasar a retomada dos investimentos privados e, por tabela, da recuperação econômica.
Nesse contexto, a perda de ascendência do ministro da Economia, Paulo Guedes, que ficou de fora da articulação inicial em torno de um plano de retomada pós crise, gerou preocupação entre analistas. A saída atribulada de Sergio Moro do cargo de ministro da Justiça nesta sexta reforçou temores em relação ao futuro de Guedes no governo.
O governo aprovou uma série de medidas de aumentos de gastos para fazer frente ao colapso da economia por causa do isolamento social, e mesmo dentro do Executivo há receios sobre o efeito colateral mais à frente em termos de confiança do mercado financeiro e do setor produtivo em relação às contas públicas.
O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, renovou na semana passada sua previsão para o rombo primário neste ano, que se aproxima de 600 bilhões de reais, perto de 8% do PIB. Esse número contrasta fortemente com a previsão do mercado em janeiro, de déficit de pouco mais de 82 bilhões de reais.
“O Brasil está entrando na tempestade com uma posição fiscal fraca, que inclui déficits orçamentários estruturais e alta dívida pública, o que significa grandes desafios fiscais adiante”, disse Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho.
Rostagno prevê déficit primário disparando a 11,5% do PIB, que agora vai encolher 3,3% (ante estimativa anterior de -1,5%). A economia deverá despencar 8,5% no segundo trimestre, antes de se recuperar a partir do terceiro trimestre. “Mas é certo que os riscos permanecem inclinados para baixo (PIB mais fraco)”, ponderou.
As incertezas sobre a política fiscal têm afetado não apenas as perspectivas para a economia, mas –de forma correlacionada– também os ativos financeiros.
O Credit Suisse avaliou nesta semana que o real está fora da lista de apostas a favor no mundo emergente devido à fragilidade da posição fiscal do Brasil durante um evento como a crise atual do coronavírus.
O JPMorgan vai na mesma linha e cita “crise política” como mais um fator a engrossar o caldo de entraves à recuperação econômica pós-Covid-19.
“Todos os países estão sofrendo uma contração do PIB e estão tendo que adotar medidas fiscais expansionistas para enfrentar o vírus. Mas a política brasileira pesará cada vez mais nas perspectivas”, disseram estrategistas do banco em relatório desta semana.
“Os mercados brasileiros agora estão acompanhando o fluxo global (e ainda com baixo desempenho), mas, quando chegar o momento da diferenciação, a preocupação é que uma desaceleração macro abra caminho para erros de política, antecipando um debate político que só deve ocorrer mais perto das eleições presidenciais de 2022.”
Fonte: ÉPOCA NEGÓCIOS